RIO — A abstenção recorde de 55,3% na segunda prova do Enem 2020 foi o alerta mais recente de que os danos causados à educação pela Covid-19 ainda estão longe de acabar. Problemas como abandono escolar, reprovação e distorção idade/série (alunos com idade acima do esperado para a etapa que cursam) se tornaram desafios ainda maiores após um ano de escolas fechadas — em 2020, 5,5 milhões de crianças e adolescentes não receberam nenhuma forma de ensino, segundo pesquisa do Unicef e do Instituto Claro publicada nesta quinta-feira.
Para enfrentar a crise educacional, especialistas elencaram a pedido da reportagem algumas ações concretas que podem ser tomadas em nível nacional e já possuem exemplos em andamento no país.
Além de insistir para que estudantes tenham novas oportunidades de prestar vestibular, pesquisadores da área defendem que é preciso uma reformulação pedagógica voltada para trazer jovens e crianças de volta ao ambiente escolar (ainda que seja virtual).
Diagnóstico das perdas
Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, defende a importância de se criar uma avaliação das perdas de aprendizagem e de se montar um sistema de recuperação que permita repor conteúdos .
Um dos exemplos de projetos que podem ajudar nesse diagnóstico é o Trajetórias de Sucesso Escolar, iniciativa do Unicef com o Instituto Claro. A plataforma reúne as taxas de distorção e os índices de abandono e reprovação, com recortes por gênero, raça e localidade, apontando para as relações entre o atraso escolar e as desigualdades brasileiras.
Além disso, os dois institutos lançaram na quinta-feira o estudo “Enfrentamento da cultura do fracasso escolar”, produzido pelo Cenpec Educação. A pesquisa revelou que 3,8% das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos (1,38 milhões) não frequentavam mais a escola no Brasil em outubro, seja de forma remota ou presencial — quase o dobro do índice de 2019, segundo a Pnad Contínua.
De fora: Segundo dia de provas do Enem tem abstenção recorde de 55,3%
Diante deste quadro, destacam-se iniciativas como a Busca Ativa Escolar. Capitaneada pelo Unicef, é tida como referência para apoiar municípios na identificação de estudantes que estão fora do sistema escolar, ajudando-os a retornar.
— É preciso ir atrás de cada um dos 5,5 milhões de estudantes que não conseguiram se manter aprendendo na pandemia — diz Ítalo Dutra, chefe de educação do Unicef no Brasil. —Para trazer esses estudantes de volta e garantir a aprendizagem é preciso um esforço conjunto de governo, sociedade e comunidade escolar .
Ano Extra no Ensino Médio
Antonio Gois, especialista em edução e colunista do GLOBO, destaca que uma das políticas mais interessantes para responder pontualmente o problema dos jovens que acabaram perdendo o Enem devido à pandemia é a criação de um “4º ano no ensino médio”. Seria uma espécie de preparatório pré-vestibular, para jovens de escolas públicas. A ideia é atender jovens que desejam entrar no ensino superior mas, como a abstenção do Enem indica, podem desistir sem suporte. Algumas redes estaduais como as de São Paulo, Maranhão e Rio de Janeiro já anunciaram a criação destas turmas opcionais.
— O que acontece quando um jovem com condicões financeiras não passa (no vestibular)? Ele faz cursinho até ingressar. É importante que o setor público ofereça essa oportunidade também aos que não têm essa possibilidade, e que, por conta da pandemia, sequer fez o Enem ou foi muito mal — sugere Gois.
Pedagogia com Tecnologia
Os especialistas também apontam para a importância da inclusão definitiva do uso das tecnologias digitais, videoaulas e outras ferramentas digitais na rotina escolar. Cesar Nunes, do conselho consultivo do Pisa 2021, destaca que é preciso rever os currículos adaptando os cotidianos escolares para que se tornem mais atraentes para os jovens.
— A ideia é que o uso da tecnologia no ensino híbrido permita uma mudança de longo prazo. Precisamos de uma mudança de cultura na educação — diz Nunes, que trabalha com o Instituto Unibanco para criar ações voltadas para a educação em parceria com seis estados brasileiros.
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De olho na virada digital promovida pela pandemia, a Fundação Roberto Marinho apostou em produzir conteúdos e serviços educacionais gratuitos em suas plataformas. E já disponibilizou mais de 600 videoaulas inéditas no YouTube do Futura, atendendo mais de 4.300 alunos por mês em aulas online no projeto Classes Abertas, entre outras iniciativas.
Segundo Claudia Costin propostas como essas deveriam virar políticas públicas de âmbito nacional ccoordenada pelo Ministério da Educação. Porém, a especialista diz, a pasta “foi ausente” nos esforços que vêm sendo promovidos por esferas estaduais, municipais, além da sociedade civil e do terceiro setor.
— Podemos agir melhor durante essa crise, temos o nono PIB do planeta— afirma Costin — E essa pandemia mostrou que educação é um serviço essencial.