A Voz da Serra – Comte Bittencourt: “Friburgo é uma cidade estratégica para a administração estadual”

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Márcio Madeira

 

O deputado estadual Plínio Comte Leite Bittencourt (PPS) tem sido, há alguns anos, um importante porta-voz das demandas relacionadas a Nova Friburgo dentro da Alerj. Com raízes friburguenses que alcançam duas gerações, Comte relembrou, nessa entrevista exclusiva para A VOZ DA SERRA, um pouco de seu vínculo com a cidade. Ao mesmo tempo, prestou contas das realizações do atual mandato, tanto aquelas ligadas a Nova Friburgo quanto as que decorrem de sua atuação à frente da Comissão de Educação.

 

A VOZ DA SERRA: O senhor não reside em Nova Friburgo, mas tem uma longa história de envolvimento com a cidade. Como essa relação começou?

Comte Bittencourt: Eu sou filho de friburguense. Miguel Bittencourt, meu pai, era um odontólogo apaixonado por Friburgo. Foi um dos idealizadores e o primeiro diretor da Faculdade de Odontologia, que hoje é administrada pela UFF. Mais tarde, ele foi homenageado quando deram seu nome ao Diretório Acadêmico, em reconhecimento ao seu sonho. E, claro, o meu avô, o jornalista e advogado Franklin Comte Bittencourt, que morreu muito cedo e eu não cheguei a conhecer, foi um dos organizadores do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Têxtil de Friburgo. Assim como meu pai, ele era um sujeito profundamente comprometido com questões sociais, muito sensível à causa dos trabalhadores, e recebeu uma grande homenagem, quando deram seu nome a uma das principais avenidas de Nova Friburgo. As histórias de meu avô e meu pai em Nova Friburgo são, para mim, motivo de orgulho e também uma responsabilidade muito grande.

E atualmente, como é a sua relação com a cidade?

Eu me considero friburguense. Tenho casa aqui há mais de 20 anos. Frequentei muito a cidade na infância e na juventude e continuei frequentando a vida inteira. Friburgo me dá uma energia positiva, é um canto que eu gosto muito.

Seu mandato mais recente começou em janeiro de 2011, e se desenvolveu paralelamente à tragédia climática e seus ecos na política local. Considerando que o senhor tem sido o principal representante da cidade dentro da Alerj, seria conveniente fazer uma prestação de contas das medidas que foram tomadas nos últimos três anos e meio. O senhor poderia resumi-las?

A tragédia machucou a todos; claro que especialmente aos friburguenses, mas também a todo cidadão fluminense e brasileiro. Foi algo de magnitude jamais vista dentro do território nacional, com aquela enorme quantidade de vítimas. Estive aqui dois dias depois da tragédia e parecia um cenário de guerra. Só quem viu o que se passou por aqui pode precisar o cenário dramático que a cidade atravessou. Dentro do que cabe a um mandato de deputado estadual — e no meu caso, um deputado de oposição, republicano—, participei da CPI da Serra, instalada para acompanhar investimentos, obras e toda ação pública que se seguiu à tragédia. Depois, tentei instalar uma CPI com relação às obras feitas nas escolas, porque há recursos federais que não chegaram ao destino. Inclusive aqui houve o caso da Galdino do Valle, que só ficou pronta há alguns meses. A escola ficou fechada durante muito tempo e na planilha constavam obras executadas. Infelizmente, eu não consegui instalar a CPI. Cheguei a ter o número de assinaturas necessário, mas depois houve pressão do governo e muitos parlamentares retiraram as suas assinaturas.

Qual sua visão a respeito da postura do governo em relação às consequências da tragédia, lá atrás, em 2011, e também nos anos seguintes?

A primeira coisa que fica clara é o despreparo dos governos para enfrentar catástrofes — e falo de despreparo em todos os níveis. União, estados e municípios. Esse é o ponto número 1. Depois, é preciso compreender que a cidade ainda sofre consequências por investimentos prometidos e não realizados. No primeiro momento, nós tivemos a presença do Estado brasileiro no seu conjunto, as três esferas. Mas passado aquele choque inicial, muita coisa deixou de ser realizada, e ainda não foi realizada. Essa é a cobrança que temos feito, através da questão orçamentária, destinando recursos aqui para Friburgo, e também fiscalizando a execução de políticas públicas. Essa cidade tem um papel que transcende os seus limites municipais. Friburgo tem uma responsabilidade regional, porque é e sempre foi a cidade mais forte do norte serrano fluminense. Nova Friburgo responde por 12 ou 13 municípios aqui no seu entorno que convergem para ela. Então, o que a gente tem advogado é uma presença mais efetiva do Estado nessas chamadas cidades-polos de macrorregião — e Friburgo é uma delas.

O senhor tem atuado também em iniciativas que buscam impulsionar a recuperação econômica da cidade, em especial ligadas ao polo metal-mecânico e ao Turismo. O senhor poderia resumi-las?

O polo metal-mecânico é o arranjo produtivo formal mais importante da cidade, aquele que mais distribui riqueza na região. Talvez não gere tantos empregos quanto a moda íntima, mas é o setor que mais contribui para a arrecadação de tributos. A economia de Friburgo tem uma força tremenda neste polo. Essa cidade tem a maior indústria metal-mecânica do país, que é a Stam, e a maior concentração de indústrias desse setor no país. Havia um problema tributário sério no passado, que impedia o polo metal-mecânico de Friburgo de ser competitivo dentro do próprio Estado, porque pagava 19% de ICMS. Ou seja, a indústria de construção civil na área metropolitana comprava seus produtos no Paraná, em Minas Gerais ou em São Paulo, porque a indústria friburguense não tinha competitividade. Se você parar para pensar, é uma loucura o que acontecia. Uma indústria localizada no Estado, gerando empregos e riquezas, e esse mesmo Estado cobrava dela um tributo maior do que de empresas que geravam empregos em outros estados. Em 2003, eu fui procurado pelo Francisco [Faria], da Stam, e pelo [José Luiz] Abicalil, da Haga, que me comunicaram esse problema. Então nós abrimos o debate na Assembleia e aprovamos uma emenda de minha autoria a uma lei de tributos, reduzindo em 1/3 o ICMS do setor metal-mecânico por dez anos. Há pouco tempo, eu visitei a União Mundial e vi que eles estão abrindo uma segunda planta, porque essa redução tributária permitiu. Segundo informações internas, a recuperação de empregos no setor foi superior a 30%. Muitas das indústrias criaram terceiro turno. Para dar uma ordem de grandeza, no setor de construção civil, que é um setor muito ativo no Estado, Friburgo não conseguia representar 30% das compras antes de 2003. Hoje responde por 90%. E ano passado, a gente conseguiu renovar essa lei por prazo indeterminado, dando uma segurança para o futuro do setor. Não se tratou de uma guerra tributária, mas sim de fazer justiça. A indústria friburguense paga hoje o mesmo tributo cobrado das indústrias em São Paulo, Minas ou Paraná. E assim ficou competitiva. Está gerando mais empregos e essa geração tem que ser sempre um ponto central das políticas públicas.

E quanto ao Turismo?

Sim, nós abrimos uma outra frente esse ano, ligada ao Turismo, que sempre foi uma indústria forte de Friburgo. Antes da fusão entre os estados do Rio e da Guanabara, a cidade chegou a ter a segunda maior rede hoteleira do estado, só perdia para a capital. Friburgo era um destino de serra obrigatório para muitos cariocas e fluminenses, mas, ao longo dos anos, foi perdendo essa condição para Itaipava, para a região do médio Paraíba e até mesmo para Campos do Jordão, em São Paulo. Hoje nós estamos ajudando a reorganizar o setor, trabalhando em conjunto com todos os atores envolvidos. O pessoal da hotelaria, a associação comercial, o Convention Bureau… Nós tivemos recentemente uma rodada de debate com a AgeRio para negociar uma linha de financiamento fomentada pelo Estado para a recuperação do parque hoteleiro da cidade. Também estamos trabalhando junto com a Faetec e outros institutos federais a articulação de uma grade de cursos que atenda à formação de mão de obra para esse setor. E estamos começando a construir um calendário de eventos. Conversei semana passada sobre isso com o governador Pezão, ressaltando a importância de conseguir, já para o orçamento de 2015, e depois 2016, alocar recursos do orçamento do governo estadual para garantir, pelo menos por dois anos, o calendário de eventos da cidade. A alta receptividade de Friburgo se dá no inverno. Se pudermos organizar o calendário da moda íntima; os eventos ligados à produção de flores; o Festival de Inverno e outros eventos fora dessa estação, nós faremos uma agenda promissora para o turismo receptivo. Isso aquece hotelaria, gastronomia, comércio, setor de moda íntima… O meu grande objetivo ao final desse trabalho, depois que recebermos o calendário de eventos pretendido para 2015, é tentar sensibilizar o governo do estado a colocar no seu orçamento a garantia da relação desses eventos. Se fizermos isso por dois anos, no terceiro ano ele já será autossuficiente. As agências que vendem pacotes passam a ter confiança no calendário de eventos.

Entre as questões que envolvem o fomento ao Turismo, fala-se muito na dificuldade de acesso. A maior parte dos turistas acaba chegando pela RJ-116, que, na opinião de muitas pessoas, está saturada de reguladores de velocidade, nem sempre bem sinalizados. Como o senhor encara essa situação e o que tem feito em relação a ela?

Eu fiz duas audiências públicas em Nova Friburgo trazendo a Agetransp, a Rota 116 e o DER. Nós estamos debatendo três questões. A primeira diz respeito à agenda de investimentos da Rota. As contrapartidas do contrato de concessão, que todo ano é renovado com autorização da Agetransp. Nós temos pressionado bastante esse processo. Existem melhorias que já poderiam ter sido implementadas. A segunda é a taxa de conversão. Esse contrato foi feito no final dos anos 90, numa inflação de dois dígitos ao ano. Hoje nós temos inflação de 6,5% ao ano, e essa taxa de conversão é de 18,25%. Isso é mais do que banco. Eu não estou advogando nenhuma quebra de contrato, mas assim como a concessionária pede para revisar as suas obrigações, o poder concedente deveria também rediscutir essa taxa de conversão. E o terceiro ponto se refere aos radares. A meu pedido, o DER apresentou estudo técnico aqui na Câmara dos Vereadores e eu o distribuí a todos os parlamentares, com cópia para as entidades civis da sociedade que estão debatendo esse tema, contendo a análise técnica de cada redutor de velocidade desde Itaboraí até a Ponte da Saudade. Há uma inquietação do setor turístico de Friburgo em relação às multas. Ninguém está advogando, de forma irresponsável, que não exista controle de velocidade numa estrada estadual. Mas é preciso haver bom senso. O próprio DER aponta tecnicamente a sugestão de desligar 10 ou 12 desses reguladores, implantados de forma desnecessária. A Câmara Municipal tem nos ajudado nessa questão e esperamos que nos próximos meses o DER faça uma revisão desses aparelhos de controle de velocidade na RJ-116, para que eles garantam a segurança sem virarem uma indústria de multa.

Em relação à Saúde, como o senhor entende que o Estado deveria se posicionar diante das carências regionais?

Nova Friburgo merece um olhar especial, independentemente da tragédia que se abateu aqui. Do Rio Paraíba para cá, tudo acontece em torno de Friburgo. A União e os estados vêm, aos poucos, se desonerando da Saúde e jogando responsabilidades sobre o município. O Raul Sertã está sobrecarregado, se transformou num hospital geral, que não é papel de uma cidade. O papel do município é cuidar da saúde ambulatorial e emergência de baixa complexidade. O Estado tinha que ter um hospital regional aqui. Eu espero que o governador Pezão, que é um homem de município, pois foi vereador e foi prefeito, saiba reduzir um pouco essa carga de responsabilidades que pesa sobre os ombros das cidades, especialmente na questão da Saúde. Eu entendo que  em algum lugar entre Nova Friburgo e Ponto de Pergunta já deveria existir um hospital estadual de média complexidade.

Além de deputado estadual, o senhor é o presidente da Comissão de Educação da Alerj…

Sim, há 12 anos. E o curioso é que minha bancada não é suficiente para eleger a presidência. Desde que fui eleito deputado pela primeira vez, eu ocupo a presidência da Comissão de Educação, sempre indicado por outros partidos.

 

Qual a visão e quais os planos da Comissão para a Educação em Nova Friburgo?

Friburgo já é hoje um polo educacional importante do Estado. A cidade tem indicadores educacionais que estão muito acima das médias brasileiras. E quanto aos planos, ampliar a grade de cursos da Uerj é responsabilidade nossa. Para isso, claro, o Estado precisa garantir mais recursos para a Universidade. Eu já consegui, há quatro ou cinco anos, trazer o curso de informática, pois só havia a graduação em Engenharia Mecânica, mas essa grade precisa aumentar ainda mais. Os parlamentares gostam muito de apresentar indicações para a abertura de novas unidades de Uenf, Uerj, Uezo, mas na hora de discutir orçamento não brigam com o mesmo empenho.

Considerando que o atual reitor da Uerj, Ricardo Vieiralves, é friburguense, que o governador acabou de apoiar a compra de parte da fábrica Filó para ampliar as instalações da mesma Uerj e que o presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa é um deputado fortemente ligado a Nova Friburgo, não seria esse um bom momento para, apesar de todas as carências do ensino fundamental, a cidade pensar também na ampliação de seus cursos de graduação e pós-graduação públicos?

A cidade pode e deve se transformar num grande centro universitário público, oportunizado especialmente pela Uerj. E o município pode contar comigo para isso. Nós estamos ordenando legislativamente um pensamento de educação pública para o Rio de Janeiro. Já avançamos na Lei do Sistema, já avançamos na Lei de Responsabilidade Educacional, no Plano Estadual de Educação… Minha grande meta hoje na Assembleia se dá em duas frentes. A primeira, em financiamentos: não se pode pensar em escolas de qualidade com educadores mal remunerados. Por isso, a gente briga para que o Estado aplique 30% de suas receitas em Educação e não se limite aos 25% determinados pela Constituição. E a segunda meta é a lei orgânica do ensino superior. O estado hoje responde por mais de 100 mil matrículas de ensino superior, em universidades mantidas pelo Estado. Elaborar essa lei é um compromisso meu com reitores, sindicatos de trabalhadores e com os DCEs.

Para encerrar, como o senhor gostaria de ver Friburgo chegando aos 200 anos?

A expectativa que a gente tem para Friburgo chegando aos 200 anos é de que ela possa ser uma cidade que conduza a transformação da região. Eu espero que, quando essa data chegar, Friburgo possa responder mais por essa questão educacional. Que possa ser uma cidade transformadora através da educação. Essa é uma causa de médio e longo prazo, mas é a única efetivamente transformadora.

 

 

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