RIO — Quando se inscreveu para o Enem, em maio, Isabella Pilar de Menezes, de 18 anos, tinha um sonho: tornar-se a primeira da família a ingressar no ensino superior. Moradora da Nova Holanda, no complexo da Maré, a jovem não imaginou que a volta às aulas demoraria tanto tempo. No Colégio estadual João Borges de Moraes, onde estuda, ela conta que alguns colegas de turma já desistiram do ano letivo e admite não ter certeza se voltará a frequentar as aulas hoje, quando serão retomadas as atividades presenciais em escolas de 16 dos 92 municípios da rede estadual do Rio de Janeiro, como na capital fluminense, para o 3º ano do ensino médio e a fase IV da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
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Anunciada há dez dias, a reabertura das escolas estaduais ainda divide opiniões entre professores, diretores, alunos e responsáveis. A poucos meses da realização do Enem, marcado para janeiro de 2021, fica difícil esperar que seja possível preparar os alunos. E a preocupação com a saúde pesa. O estado afirma que repassou aos colégios um total de R$ 9 milhões, oriundos do Tesouro Estadual, para a adequação das unidades aos protocolos sanitários. Cada escola recebeu entre R$ 3 mil e R$ 34 mil, de acordo com o tamanho e a quantidade de matrículas, para instalar totens de álcool em gel e comprar Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), entre outros gastos. Diretores ouvidos pelo GLOBO sob a condição de anonimato afirmam que, independentemente da adequação da estrutura aos protocolos, esbarram com outra dificuldade para a volta às aulas: os funcionários, amparados na decisão do Sindicato estadual de Profissionais de Educação (Sepe) de deflagrar uma “greve pela vida”, prometem evitar o trabalho presencial até que haja vacina.
Em meio a tantas nuances, Isabella tenta manter os estudos, que seguem ritmo muito pior que o desejado por ela.
— Em casa, eu me distraio com qualquer coisa. É muito diferente do que estudar na sala de aula. Mas alguns colegas já deram o ano como perdido e avisaram que não vão voltar para a escola agora. Se a maioria não for voltar, eu também vou continuar em casa — diz ela.
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A jovem conta que se prepara assistindo às aulas remotas oferecidas pelo sistema da rede estadual e complementa os estudos com as atividades do pré-vestibular da ONG Redes da Maré, também oferecidas virtualmente.
Em uma escola da Zona Oeste, os totens de álcool em gel e as marcações de distanciamento social estão instalados desde terça-feira. Até o fechamento desta reportagem, no entanto, o diretor da unidade não sabia dizer se o retorno das aulas presenciais seria possível.
— Adequar a escola foi fácil, mas os professores já avisaram que não vão vir — diz o gestor, que pede anonimato.
O mesmo movimento tem ocorrido em outras unidades. O Colégio estadual André Maurois, no Leblon, publicou uma carta aberta à comunidade sobre a “impossibilidade de retorno das aulas presenciais no dia 19 de outubro”, acompanhada de um abaixo-assinado. Até sexta-feira, o documento havia sido assinado por 287 pessoas, entre alunos, responsáveis e servidores.
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Obstáculos à retomada
Na carta, foram elencados quatro motivos para argumentar que não é possível retomar as atividades. O primeiro é a falta de laudo técnico atestando que as salas possuem circulação e ventilação adequadas para evitar a propagação do vírus. O segundo, falta de comprovação documental, por parte da empresa terceirizada de limpeza, quanto ao treinamento dos funcionários para o novo normal. O terceiro motivo é a falta de professores e pessoal de apoio, já que muitos estão impossibilitados de retornar pela faixa etária, por apresentar comorbidades ou por conviver com parentes no grupo de risco. O colégio também alega que já funciona além de sua capacidade, pela falta de funcionários.
Para administrar as unidades cujas equipes decidiram não retomar as atividades, a Secretaria estadual de Educação criou algumas medidas. Entre elas, ofereceu o pagamento de Gratificação por Lotação Prioritária (GLP), a hora extra da Educação, para os professores que se dispuserem a trabalhar. A André Maurois foi informada que uma equipe externa enviada pela Secretaria assumirá as atividades, já que os servidores da escola se declararam impedidos de retornar.
O secretário estadual de Educação, Comte Bittencourt, admite que o retorno não ocorrerá de maneira uniforme. A pasta está elaborando uma lista com as cidades onde as escolas não irão funcionar por falta de autorização das prefeituras.
— Vai ter escola que vai ter aluno e não vai ter professor. Outra que vai ter professor e não vai ter aluno. Cada caso será tratado com o devido cuidado. É um retorno com carga presencial pequena, e estamos tomando todas as medidas de segurança — diz.